quinta-feira, 19 de novembro de 2020
 
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PGR
  Cancelar inscrição no ICMS de empresas que vendam produtos fabricados com trabalho escravo é constitucional, opina PGR

Leis estaduais podem prever mecanismos complementares de combate ao trabalho escravo, incluindo sanções administrativas e fiscais, como o cancelamento da inscrição de empresa infratora no cadastro do ICMS e divulgação do ato por meio da publicação de lista de empresas apenadas (“lista suja”). Somente não é possível impedir que os sócios exerçam atividade no mesmo ramo em um outro estabelecimento ou em nova empresa, como fez a Lei nº 14.946/2013 do Estado de São Paulo. Este é o entendimento do procurador-geral da República, Augusto Aras, que opinou pelo provimento parcial da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.465/SP, que questiona a lei.

Editada em 2013, a lei paulista estabelece sanções administrativas para qualquer estabelecimento que venda produto em cujo processo de fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo. Os estabelecimentos infratores terão cancelada a inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS do Estado de São Paulo. A relação nominal das empresas será divulgada no Diário Oficial do Estado, depois de esgotados os recursos na instância administrativa. Segundo a norma, os sócios ficarão impedidos de atuar no mesmo ramo de atividade, mesmo que em estabelecimento distinto, e também não poderão pedir a inscrição de nova empresa no cadastro do ICMS para o mesmo ramo de atividade pelo prazo de 10 anos.

A lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ADI proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A ação aponta a suposta usurpação da competência reservada à União para a execução da inspeção do trabalho, prevista no art. 21, XXIV, da Constituição Federal, entre outros argumentos. Também questiona a penalidade aplicada aos sócios, afirmando ter havido violação do princípio da individualização da pena.

No parecer, Augusto Aras lembra que a erradicação do trabalho escravo, forçado ou exercido em condições análogas à escravidão, com imposição de penalidades e sanções em esferas distintas, é um dos objetivos do Estado brasileiro, segundo tratados e compromissos internacionais firmados pelo país. Essa atuação também decorre “dos direitos e princípios constitucionais consolidados na dignidade humana, além de ser concretização do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de construção de sociedade livre, justa e solidária”. Aras sustenta que é dever dos entes federados “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização” (CF, art. 23, X).

O procurador-geral argumenta que a lei paulista não trata de direito do trabalho, mas cria um mecanismo adicional de repressão ao trabalho escravo, inserido na seara fiscal-administrativa. “A norma trata da imposição de consequência jurídica, por conduta ilícita, em esfera distinta da trabalhista, e no âmbito territorial do estado, com efeito sobre a regularização em cadastro de contribuintes de tributo estadual”. Por isso, não há violação de competência privativa da União.

A divulgação da relação de empresas apenadas no Diário Oficial do estado (“lista suja”) também é válida e segue normativo federal já analisado pelo Supremo e considerado constitucional. Essa previsão “tem caráter pedagógico, ao impactar a imagem e a credibilidade da empresa punida nos termos da lei, além de servir à promoção de consumo mais consciente pelo público que a acessa, inserindo a comunidade consumidora na rede de combate ao ilícito”. Aras também afirma que os atos normativos que regulamentam o diploma estadual delimitam seu alcance e detalham o procedimento para a apuração da infração, “evidenciando o respeito à legalidade, ao contraditório, à ampla defesa e à individualização da pena”.

Para o procurador-geral, apenas o trecho prevendo impedimento para que os sócios exerçam atividades comerciais pelo prazo de 10 anos no mesmo ramo, ainda que em estabelecimentos distintos, vai contra a Constituição. Isso porque a competência para legislar sobre direito comercial é exclusiva da União. “Na esfera federal, não há previsão semelhante à da lei estadual, que afaste os sócios da empresa faltante, por período determinado de tempo, do ramo da atividade exercida. Também não existe lei complementar que autorize os estados a legislar sobre questões específicas da matéria, conforme exige o parágrafo único do art. 22 da CF”, afirma.

Assim, o PGR opina pelo provimento parcial da ADI, para que o Supremo declare a inconstitucionalidade apenas do art. 4º, caput, I e II, e § 1º, da Lei 14.946/2013 do Estado de São Paulo.


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